sexta-feira, 15 de julho de 2011

Carta Manifesto da Marcha das Vadias de Rio de Janeiro – Por que marchamos?





No Rio de Janeiro, marchamos porque apenas nos primeiros três meses
 desse ano foram 1.246 casos registrados de mulheres e meninas 
estupradas, uma média de quatorze mulheres e meninas estupradas por dia,
e sabemos que ainda há várias mulheres e meninas abusadas cujos 
casos desconhecemos; marchamos porque muitas de nós dependemos 
do precário sistema de transporte público do Rio de Janeiro, que nos
 obriga a andar longas distâncias sem qualquer segurança ou iluminação
 para proteger as várias mulheres e meninas que são violentadas ao
 longo desses caminhos; marchamos porque foi preciso a criação de 
vagões femininos no trem e no metrô para que não fossemos 
sexualmente assediadas durante o uso desses transportes.

No Brasil, marchamos porque aproximadamente 15 mil mulheres são
 estupradas por ano, e mesmo assim nossa sociedade acha graça quando
 um humorista faz piada sobre estupro, chegando ao cúmulo de dizer 
que homens que estupram mulheres feias não merecem cadeia, mas 
um abraço; marchamos porque nos colocam rebolativas e caladas como 
mero pano de fundo em programas de TV nas tardes de domingo e utilizam 
nossa imagem semi-nua para vender cerveja, vendendo a nós mesmas 
como mero objeto de prazer e consumo dos homens; marchamos porque 
vivemos em uma cultura patriarcal que aciona diversos dispositivos para 
reprimir a sexualidade da mulher, nos dividindo em “santas” e “putas”,
e muitas mulheres que denunciam estupro são acusadas de terem 
procurado a violência pela forma como se comportam ou pela forma
 como estavam vestidas; marchamos porque a mesma sociedade que 
explora a publicização de nossos corpos voltada ao prazer masculino
 se escandaliza quando mostramos o seio em público para amamentar
nossas filhas e filhos; marchamos porque durante séculos as mulheres 
negras escravizadas foram estupradas pelos senhores, porque hoje 
empregadas domésticas são estupradas pelos patrões e porque todas 
as mulheres, de todas as idades e classes sociais, sofreram ou sofrerão 
algum tipo de violência ao longo da vida, seja simbólica, psicológica, 
física ou sexual.

No mundo, marchamos porque desde muito novas somos ensinadas a
 sentir culpa e vergonha pela expressão de nossa sexualidade e a temer
 que homens invadam nossos corpos sem o nosso consentimento; 
marchamos porque muitas de nós somos responsabilizadas pela 
possibilidade de sermos estupradas, quando são os homens que deveriam 
ser ensinados a não estuprar; marchamos porque mulheres lésbicas de 
vários países sofrem o chamado “estupro corretivo” por parte de homens 
que se acham no direito de puni-las para corrigir o que consideram 
um desvio sexual; marchamos porque ontem um pai abusou sexualmente 
de uma filha, porque hoje um marido violentou a esposa e, nesse momento, 
várias mulheres e meninas estão tendo seus corpos invadidos por homens 
aos quais elas não deram permissão para fazê-lo, e todas choramos porque 
sentimos que não podemos fazer nada por nossas irmãs agredidas e mortas 
diariamente. Mas podemos. Já somos chamadas de vadias porque usamos 
roupas curtas, já fomos chamadas de vadias porque transamos antes do 
casamento, já fomos chamadas de vadias por simplesmente dizer “não” a um 
homem, já fomos chamadas de vadias porque levantamos o tom de voz em 
uma discussão, já fomos chamadas de vadias porque andamos sozinhas 
à noite e fomos estupradas, já fomos chamadas de vadias porque ficamos 
bêbadas e sofremos estupro enquanto estávamos inconscientes, por um ou 
vários homens ao mesmo tempo, já fomos chamadas de vadias quando 
torturadas e curradas durante a Ditadura Militar. Já fomos e somos diariamente 
chamadas de vadias apenas porque somos MULHERES.

Mas, hoje, marchamos para dizer que não aceitaremos palavras e ações 
utilizadas para nos agredir enquanto mulheres. Se, na nossa sociedade machista, 
algumas são consideradas vadias, TODAS NÓS SOMOS VADIAS. E somos todas 
santas, e somos todas fortes, e somos todas livres! Somos livres de rótulos, de 
estereótipos e de qualquer tentativa de opressão masculina à nossa vida, à nossa 
sexualidade e aos nossos corpos. Estar no comando de nossa vida sexual 
não significa que estamos nos abrindo para uma expectativa de violência, 
e por isso somos solidárias a todas as mulheres estupradas em qualquer circunstância, 
porque tiveram seus corpos invadidos, porque foram agredidas e humilhadas, 
tiveram sua dignidade destroçada e muitas vezes foram culpadas por isso.

O direito a uma vida livre de violência é um dos direitos mais básicos de toda mulher, 
e é pela garantia desse direito fundamental que marchamos hoje e marcharemos 
até que todas sejamos livres. Somos todas as mulheres do mundo! Mães, filhas, 
avós, putas, santas, vadias…todas merecemos respeito!